Simona Accattatis Eu não como coisas em forma de animal
Ao rodarmos sobre nós mesmos neste pequeno espaço, e depois de ter visitado a exposição como o fazemos usualmente (um passeio olhando cada imagem singularmente), conseguimos abarcar numa só olhada a diversidade que vibra nos desenhos de Simona Accattatis, a todos os termos: técnicas, temas, cores, níveis de complexidade e acabamento, humores e até vertigens. E, depois de uma segunda mirada em direcção às mesas e cantos pertinentes, pensamos, “onde estão os livros?” É muito comum, ao vermos desenhos desta natureza – não só representacionais como nitidamente ofertando uma situação e ambiente aparentemente narrativos –, querermos arrancá-los a essa mesma disciplina e colocá-los numa outra, a que se dá o nome de ilustração, como se houvesse uma qualquer hierarquia de gosto e valor, na qual a segunda estaria sob a sombra da primazia do desenho-disciplina. Vemos esta como autónoma e livre, aqueloutra como dependente de um sentido transmitido noutro veículo: os textos, as histórias, os livros. Onde estão os livros? A maioria dos desenhos de Simona representa pessoas, ou pelo menos criaturas (animais, robôs, bichos esquisitos, uns mais assustadores, outros delicados, coisas estranhas) em forma de pessoas, em forma de animais, em “forma de assim” (como quereria Alexandre O’Neill). Esse “assim” são as histórias que estes desenhos prometem, um “assim” que nós próprios começamos a construir, a desfiar, a contar, mas sem jamais chegar ao fim dessa meada. Os desenhos oferecem esses fiapos, mas nunca todo o novelo, se novelo chegar a ser. Não fazem livros? Alguns deles parecem apresentar-se em conjunto, pequenas séries. Não chegam a constituir-se como série, onde seriam precisos mais exemplos, mas breves ideias, apontamentos, ou objectos terminados de uma ideia que passou e foi capturada nessa mesma imagem. Do breve passa-se ao perene. É para isso que servem os desenhos, é essa a força da ilustração, mesmo que não capturemos nós os livros de onde partiram. É como se estes desenhos fossem páginas soltas, fossem folhas volantes, fossem ilustrações arrancadas de livros imaginários, ou que nunca chegaram a existir ou que já não existem mais. Não há livros? Contudo, a maneira mais forte de os pensar, de os imaginar – para além ou com as imagens (a produção de imaginação) de Simona -, será a de que eles existem nos próprios desenhos, são constituídos inteiramente por eles: desde à capa ao miolo, as narrativas e a moral, a subtileza da linguagem e os primores dos pormenores. Basta olhar e ler, com muita atenção e liberdade, os desenhos que aqui estão. Aqui estão os livros.
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